A criança cresceu, o sonho venceu
Maria Neves
A criança cresceu ...
Estávamos em Novembro de 1970. Numa vila da Beira, um dia chuvoso e frio. Era a faina da apanha da azeitona.
Eu tinha apenas oito anos. Era uma menina feliz, a quem nunca faltou muito amor e tinha tudo o que solicitava.
Sonhava ser Enfermeira.
Com um bago de azeitona na mão, eu olhava, e pensava. Mas como é que sai daqui o azeite?
Do alto de uma oliveira um homem falou: “a menina não nasceu para olhar azeitonas, o seu avozinho quer que seja médica”.
E, eu respondi, “ ele não me explica como sai daqui o azeite “.
Vou perguntar ao meu pai.
Então, com o seu ar intrigado, beirão, o meu pai olhou- me nos olhos e disse: Amanhã a noite, estarás preparada, bem agasalhada, que eu levo-te ao Lagar de Azeite. A colheita está pronta, e, é bom que saibas de tudo um pouco, és a mais velha dos irmãos, e depois tens mais tempo para lhes explicar.
Nessa noite não dormi. Olhava a pequena azeitona...
No dia seguinte, como combinado, depois da ceia ( jantar) lá fomos com o Sr. Manuel que trabalhava para o meu avô.
Ao entrar fiquei com uma sensação estranha. Não era o que eu tinha imaginado. Era um lugar escuro, e as pessoas deslocavam-se muito rápido.
Umas torneiras em fila brotavam água escura. Toneladas de azeitonas eram depejadas numa tina enorme e esmagadas por uma prença. O meu pai, ia- me explicando todo o processo. A limpeza, a lavagem, os “ ingassos” e finalmente passamos a outro compartimento, com várias fontes, de onde saia o “ líquido sagrado “. O azeite dourado.
Foi uma noite encantada. Pelo que aprendi, e pelo carinho com a que meu pai me tinha explicado toda a sequência do processo.
O meu pai, era uma pessoa culta, mas não ousava essa vertente. Em tempos desiludiu o pai, por não querer estudar na universidade. Preferiu sempre trabalhar com o pai na quinta, viver por sua própria conta. A família era abastada, e dava para ter “empregados “, para a lavoura, o cultivo do milho, do azeite e uma casta de vinhos.
Era uma vida autónoma, mas dura. Mas ele não se arrependia.
Um dia, no fim do jantar, acendeu um cigarro, e incentivou- me a estudar a sério. “ És muito novinha para perceber, mas um dia lá chegarás “. És boa aluna, e és mulher. Um dia gostaria de te ver de bata branca, e levantou-se sem mais uma palavra, durante algum tempo.
Eu, fiquei mais contente, as enfermeiras vestem bata branca. Tantos anos a estudar. Meu Deus. Eu ainda estou na escola primária!
Comecei a pensar no assunto muito a sério, dai para a frente com frequência.
Via todos os filmes sobre hospitais. [...]
Sou enfermeira há 35 anos.
In, "Entre oliveiras e macas, o sonho de ser enfermeira "
[Extraído do meu livro inacabado.]
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Maria Neves