Ser e Reconhecer- Memórias de pai
Maria Neves
Ser e Reconhecer
Erguendo-me da janela da sala,
Via ao fundo do caminho,
Uma curva fechada,
Um moinho submerso pelo tempo,
Uma ponte, e a nova autoestrada.
Ser e reconhecer
Tinha uma viagem para seguir,
Uma carreira sonhada,
Saberes, para laborar,
E, não tinha porquê me queixar.
Ser e reconhecer
Entre a saudade de partir,
E vontade em chegar,
Teria uma hora para dormir,
Antes de ir trabalhar.
Ser e reconhecer
Depois da despedida, já de saída,
O octagenario de tristeza visivel no rosto,
Timidamente perguntava.
Então quando é que voltam?
Ser e reconhecer
Eu não sabia responder.
A vida que levava era tão complexa,
Que me limitava a dizer.
Brevemente, vamos ver...!
Ser e reconhecer
Já tenho saudades, e ainda não fui embora.
E a lágrima do octogenário da face caia.
Como a água, na cascata da ponte,
Sem saber muito bem, para onde ia.
Ser e reconhecer
Contava estórias para pensar,
De inverno, com vento sul, nos serões,
Com um frio gélido na rua,
Em casa o calor da lareira,
Aquecia os nossos corações.
Ser e reconhecer
Era a sua menina enfermeira,
Que de orgulho o preenchia,
Fosse de noite ou de dia.
Ela, que já nem o cansaço sentia,
Olhando um tição que ardia.
Ser e reconhecer
Os anos foram passando,
O seu fim de vida chegou.
Ser e reconhecer
Toda a minha vida mudou.
Não soube lidar com a sua ausência.
Volto à propriedade raramente.
Só entende, quem sente,
A quem a saudade não mente...
De como só um Pai ama verdadadeiramente,
Da alma, do coração e da mente.
Ser e reconhecer
Fim
Maria Neves